segunda-feira, novembro 25, 2024
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Victor Ferreira abre o jogo sobre diagnóstico de espectro autista

A série original da HBO Max, “Use Sua Voz”, está fazendo sucesso desde o seu lançamento. Ela, que foi a quarta mais assistida da plataforma em sua estreia, é uma comédia musical que conta a história de alunos em busca do sabotador, a pessoa que cortou a fiação elétrica da instituição bem no momento das audições para o núcleo musical.
O curitibano Victor Ferreira faz parte do elenco principal e interpreta o Arthur, um jovem com TEA – Transtorno Espectro Autista. Em entrevista exclusiva ao EntreMusic Brasil, o ator explicou como o papel na série o ajudou a chegar ao próprio diagnóstico e ainda dá detalhes da carreira e novos projetos. Confira na íntegra:

Victor, quando você decidiu mergulhar no mundo das artes cênicas?

Eu comecei a estudar teatro em 2016. Mas, até então, eu não queria ser ator. Acabei fazendo teatro porque minha irmã gêmea queria muito fazer, então, eu fui junto para acompanhá-la e para ter uma atividade diferente fora da escola.
Pensei em ser arquiteto, físico, tudo menos ator. Começando nas aulas de teatro, conheci um universo que eu gostei bastante, mas, a princípio, sem pretensão profissional. Eu gostava de fazer teatro para improvisar, brincar, de interagir com os outros alunos disponíveis para o jogo cênico. O teatro sempre foi uma casa muito confortável, em que eu podia ser quem eu quisesse ser.
Acabei pensando mesmo no teatro em 2019, quando fiz meu primeiro filme, um curta-metragem. O nome é “Presente”, em que eu fui um dos protagonistas. Ele era uma produção do Sesi Cultural do Paraná. E, assim, o cinema se tornou uma grande paixão.
Depois de gravar esse filme, de perceber a câmera e de ter esse contato direto com a sétima arte, eu comecei a pensar com mais carinho e vi que isso era um futuro possível, que eu queria experimentar mais essa forma de atuação, essa forma artística.
Então, o primeiro contato com o cinema foi o meu grande portal para entrar nesse mundo e para me descobrir como artista.
Depois desse filme, comecei a estudar mais. Acabei fazendo outro curta-metragem também como protagonista. E veio a pandemia. Eu continuei estudando de forma online, lendo livros e todo meu contato foi sendo estabelecido por muito estudo, experiências em trabalhos em que eu ia sendo aprovado, e também com o convívio com artistas e atores que pude conhecer nessa trajetória.
Hoje, já fiz alguns trabalhos no streaming, no cinema, na publicidade e no teatro.. Estou começando agora com uma companhia de teatro profissional que vai abordar linguagens e metalinguagens bem diferentes. Então, eu ainda tô descobrindo muita coisa sobre como me estabelecer como artista e qual a marca de artista que eu quero deixar nessas produções em que eu estiver fazendo parte.
Mas, é sempre um desafio e um mundo novo a cada produção em que eu participo. Hoje eu faço Artes Cênicas na Faculdade de Artes do Paraná e ainda estou descobrindo quais são os mares que eu quero navegar com mais propriedade.

Qual a sua maior referência quando o assunto é atuação?

Eu tenho várias referências de patamares específicos e eles são muito diferentes para cada tipo de ângulo. Primeiro, preciso falar da Fernanda Montenegro, acredito que ela é uma referência para todas as pessoas que buscam essa carreira de atuação aqui no Brasil. Acho que é quase impossível não admirá-la.
Outra pessoa que tenho como referência é a Isabela Garcia, um dos grandes nomes da teledramaturgia brasileira e que também foi a preparadora de elenco de “Use Sua Voz”, que é essa série maravilhosa da HBO que eu faço parte.
Conhecer ela pessoalmente e estar com ela nesse trabalho para a criação desse personagem foi uma coisa muito iluminada. A Isabela foi um anjo para mim, tanto da minha construção do personagem, dentro do set de filmagem, mas também para minha experiência de vida como pessoa e como artista.
Também tenho muita referência no Timothée Chalamet, que fez “Duna” e vai fazer “Wonka” nos cinemas. Acho que temos um perfil meio parecido e acabo sempre dando uma olhada nos papéis que ele está fazendo e os estilos de atuação.

Quando e como surgiu a oportunidade de fazer parte da série original da HBO Max, “Use Sua Voz”?


Isso foi ano passado. O primeiro material que eu recebi foi em junho, julho de 2022, e eu lembro que tava tudo bem corrido naquela semana e eu só tive um dia para ler e fazer o teste. Foi uma preparação bem curta. Mas, quando eu li sobre “Use Sua Voz” e o Arthur, um personagem que me gerou muito interesse, tive um desejo muito grande de fazer parte dessa produção. Não só por conta de todas as características que eles já tinham atribuído ao personagem, mas também por ser uma série de comédia musical infanto-juvenil, uma sitcom que já prometia muito desde esse primeiro contato que eu tive.
Enviei o primeiro teste de forma remota e depois fiz outro presencial, em São Paulo. Lá, tive a oportunidade de atuar com outras quatro atrizes que estavam testando para o papel da Yasmin. Inclusive, uma das atrizes que testou comigo foi a Mica D Fuego, uma atriz argentina maravilhosa, em que eu tive oportunidade de atuar antes de tudo, antes de ter o roteiro. Foi assim. Foi um processo que envolveu muita magia e apreço desde o começo.

Você interpreta o Arthur, um jovem que vive com TEA – Transtorno Espectro Autista desde a sua primeira infância. Como você se preparou para dar vida a esse personagem?

A Isabela Garcia, que era nossa preparadora de elenco, foi uma aliada muito forte para toda essa preparação do personagem. E o Arthur ele é um personagem que tem muito carinho no roteiro. A sala de roteiro e o diretor já tinham pensado muitas coisas sobre o Arthur, então eu tinha muito de onde criar e de onde consultar sobre as eventuais dúvidas que eu tinha. Mas, segui o mesmo processo que faço com todos os personagens. Disseco bem o roteiro, faço várias anotações e busco referências. Eu procurei outros atores que já interpretaram personagens dentro do espectro e fui observando como foi a criação deles, a diferença entre eles. Depois de ter esse compilado de informações, fiz uma criação própria a partir de um corpo novo e uma voz nova para o Arthur.
Os atores que eu pesquisei foram o Eddie Redmayne, de “Animais Fantásticos”; Tom Hanks, em Forrest Gump; e o Keir Gilchrist, na série “Atypical”.

Qual o maior desafio desse projeto?

Acho que o maior desafio do projeto foi encaixar a comicidade e a musicalidade no corpo desse personagem, mesmo em cenas que não eram musicais.
Arthur é um jovem autista, sinestésico e que cria músicas com referências do cotidiano. Então, mesmo em ambientes comuns, ele está prestando atenção em cada coisa e cada som pode vir a ser uma melodia.
Colocar essa musicalidade na minha percepção como ator e na linha de pensamento do meu personagem foi um desafio muito grande, porque exigia muita concentração na maior parte do tempo.
Todas as vezes que eu estava no personagem eu tinha que estar muito imerso naquele universo para que eu alcançasse todas as características que eu tinha estudado do Arthur, que é um personagem recheado de informações.

O que mais te marcou nesse trabalho?

Acredito que tenham sido as pessoas que estavam no set, na produção, na pró-produção. Ter a oportunidade de conhecer tantos artistas, que já tem um nome bem consolidado na classe artística, e as referências que eu tirava vendo eles atuarem. O que mais me marcou mesmo foram as relações que eu criei durante esse processo e de também ver como “Use Sua Voz” está sendo marcante para as pessoas que estão assistindo agora.
Eu fiquei cerca de 3 meses filmando a série e quando as filmagens acabaram, deu aquela vontade de “quero mais”. É muito legal ver essa mesma sensação sendo refletida agora no público.

Em um depoimento em sua rede social, você comentou sobre o seu diagnóstico, como autista. O personagem e – estudo acerca do TEA foram o que levaram você a perceber os sinais em si mesmo?
Poderia contar um pouquinho pra gente sobre a importância da abordagem do assunto também nas produções midiáticas?


Desde quando eu recebi o texto no ano passado, eu já suspeitava que eu estava dentro do Transtorno do Espectro Autista. Era uma informação que eu já tinha em mente desde 2018, mas eu não tinha coragem para pesquisar mais sobre isso ou de encarar um diagnóstico.
O Arthur é um personagem que é autista desde o começo da trama e que vive com isso com muita liberdade e naturalidade. Ele podia ser quem ele quisesse sem essa trava social que eu tinha.
Depois de fazer esse personagem, tive coragem de ir atrás de um psiquiatra e um neuropsicólogo para fazer essa avaliação psicológica. No meu primeiro teste, eu comentei sobre isso, então, alguns atores e pessoas da produção sabiam que, provavelmente, eu estava dentro do espectro autista.
Mas, uma coisa que é importante ressaltar, é que eu sou bem diferente do Arthur. É bom falar sobre isso porque o autismo é um espectro que se manifesta de formas diferentes, não cabem certos tipos de arquétipos ou preconceitos estabelecidos como estereótipos.

Você também marcou presença no elenco da série “O Som e a Sílaba”, do Disney Plus, e em “Todos os Inscritos de Ness”. Pode contar pra gente sobre esses trabalhos?

“O Som e a Sílaba” foi uma extensão ou uma consequência de “Use Sua Voz”. Um dia eu estava no camarim, esperando para filmar e eu fui consultado sobre a participação nesse possível projeto. Eu comentei com algumas pessoas e uma delas era o Enrico Calado, segundo assistente de direção de Use Sua Voz, que conhecia a produtora de “O Som e a Sílaba”. Eles conversaram, fui indicado e eu acabei participando. Foi só uma pontinha, uma diária, mas foi muito bom fazer parte disso tudo, ainda mais que o projeto é muito importante para o Miguel Falabella, que é um dos diretores e criadores, junto com Cininha de Paula. É uma obra que vem de uma ópera no teatro que deu muito certo e que agora está sendo adaptada para uma minissérie da Disney.
Ser dirigido pelo Miguel e pela Cininha de Paula e ver toda essa obra audiovisual acontecendo, saber que eu fiz parte daquilo, foi uma experiência muito positiva.
“Todos os inscritos de Ness” é um projeto muito especial para mim. Gravei ele em Curitiba e ele tem um roteiro muito interessante, assim como a montagem final. É um curta que tem muito potencial e está sendo reconhecido pelos diversos lugares por onde está passando. A produção já foi para alguns festivais aqui no Brasil, na América Latina, na Espanha e em alguns outros lugares. Foi premiado no Festival Internacional de Valdivia, no Chile, como Melhor Curta-Metragem infanto-juvenil latino-americano e, nesta semana, ele também venceu como Melhor Curta Metragem pelo Júri Popular, no Saci – Festival Internacional de Cinema Infantil.
Essa produção tem uma mensagem muito importante para essa geração de crianças e pré-adolescentes que têm muito contato com a tecnologia. Foi muito divertido fazer um personagem que é meio bad boy e mesmo assim tinha um efeito cômico muito legal para a história.
“Todos os Inscritos de Ness” foi o meu primeiro projeto depois da pandemia. O elenco desse filme tem um peso muito importante para a classe artística do Paraná. Trabalhei com Maureen Miranda e Regina Vogue, que são atrizes que marcaram e estão marcando a geração do teatro e do cinema nacional e paranaense.

Deixe um recado para os leitores do EntreMusic Brasil!

Assistam “Use Sua Voz”. O primeiro episódio está disponível para não assinantes durante esse mês. Essa é uma série que a gente fez com muito amor, muita música e muito talento, e espero que esse encanto que eu sinto também possa ser sentido por vocês.
Além de uma obra audiovisual, “Use Sua Voz” tem o poder de transcender essas vivências que estão sendo assistidas, tanto para quem fez, quanto para quem está consumindo esse projeto.
Espero que o Arthur seja um personagem que inspire as pessoas para que elas sejam elas mesmas com total liberdade e felicidade. E é isso. Muito obrigado pela atenção.
Espero muito que vocês gostem de “Use Sua Voz” e de alguns eventuais projetos que estão vindo aí pela frente.

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